sexta-feira, 15 de julho de 2011

Brasil ensina que é possível avançar pela democracia, diz ElBaradei


Mohamed ElBaradei em conferência da AIEA de
2009 (Foto: Samuel Kubani/AFP).
Após revolução, Egito terá eleições livres pela 1ª vez em quase 30 anos.
Em entrevista ao G1, diplomata afirma que deve ser candidato a presidente.

Ele virou um ícone da diplomacia internacional ao negar a existência de armas de destruição em massa no Iraque de Saddam Hussein e, assim, desbancar o argumento da invasão do país pelos EUA em 2003. Pelo trabalho que fez na direção da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) da ONU, de 1997 a 2009, Mohamed ElBaradei recebeu o prêmio Nobel da Paz, tornando-se mundialmente conhecido.

Mas, dentro de seu país, o Egito, ElBaradei sabe que ainda precisa trabalhar muito para ganhar o reconhecimento que o mundo já lhe deu. Por ter passado tantos anos longe de casa, ele é visto por muitos como uma figura apática e desapegada dos assuntos internos. ElBaradei não só nega as "acusações", como diz que será candidato nas primeiras eleições livres do Egito em quase 30 anos, após a queda do ditador Hosni Mubarak, em fevereiro. De fato, antes mesmo do início dos protestos deste ano, o diplomata já havia retornado ao Egito e anunciado que gostaria de enfrentar o ditador nas urnas.

Em entrevista ao G1, por telefone, do Cairo, ElBaradei falou sobre democracia, sobre as lutas nos países árabes e, claro, sobre questões nucleares - tema de "A era da ilusão", seu novo livro, lançado em junho no Brasil pela Editora Leya. E disse que gostaria de aprender mais sobre música brasileira. Confira a entrevista:

G1 - O mundo acompanhou seu trabalho na agência nuclear e depois a batalha de seu país contra a ditadura de Hosni Mubarak. Então me diga, na primeira eleição livre doEgito em quase 30 anos, o senhor será candidato?
Mohamed ElBaradei - Eu pretendo concorrer à Presidência na eleição que deve ocorrer no final deste ano ou começo do ano que vem, de acordo com o cronograma. Ainda não se sabe com certeza. Eu venho pedindo ao Conselho Militar que faça uma previsão clara de datas, o que ainda não aconteceu. Acho que agora o cenário que vemos é a eleição parlamentar em outubro, novembro, seguida de uma Assembleia Constituinte eleita pelo Parlamento para fazer uma nova Constituição que será colocada em referendo e aí ter a eleição presidencial. No meio tempo acho que eles agora estão trabalhando em uma carta de direitos.

G1 - Fale desta carta de direitos.
ElBaradei - Como uma maneira de sair dessa bagunça constitucional em que estamos, para fazer as pessoas se sentirem seguras de que teremos uma Constituição que represente os diferentes setores da sociedade, eu propus que tenhamos uma carta de direitos, que garanta os direitos universais básicos - liberdade de religião, de expressão etc. Isso antes de fazer o esboço da Constituição. Também propus que essa carta seja fixa, sem possibilidade de mudanças e emendas.

Coloquei a minha proposta de carta na internet e pedi que as pessoas fizessem comentários, pois todos têm que concordar. Vai haver um comitê para avaliar as propostas de cartas, mas no fim sabemos os direitos básicos de todo seres humanos no mundo. Acho que, se conseguirmos fazer isso, uma carta que garanta os direitos consagrados que todos concordam, será um grande avanço antes de irmos ao próximo passo de adotar uma nova Constituição.

G1 - E o senhor acredita que essa carta irá acalmar os ânimos da população? Pois as pessoas voltaram às ruas, continuam protestando. A revolução não acabou?
ElBaradei - Não, a revolução não acabou. A revolução foi desencadeada. Mas acho que ela irá continuar até que as pessoas vejam que as razões pelas quais eles se revoltaram foram alcançadas. Nesse momento, eles veem que seus objetivos, de justiça e liberdade, não foram alcançados. As pessoas continuam nas ruas. Eles acreditam que a Justiça está lenta e está sendo negada a eles. Eles também querem um cronograma para as mudanças, e ainda há questões sociais.

Claro que temos um problema, pois investidores ainda estão ainda num modo 'esperar para ver', o turismo não voltou aos número que tinha antes. Há uma crise financeira, não há dinheiro suficiente para responder rápido à expectativa social, que é o que se imagina depois de uma revolução, não se pode mudar do dia para a noite. Esse é um dos desafios que estamos enfrentando.
ElBaradei durante os protestos na famosa praça Tahrir, em 30 de janeiro (Foto: Khaled Desouki/AFP)

G1 - O senhor concorda que o julgamento de Mubarak está demorando? O senhor concorda com o julgamento?
ElBaradei - Estão dizendo que ele será julgado em agosto e que outros membros do regime irão a julgamento em setembro e outubro e que é um processo lento. Eu concordo. Não é uma situação normal, é uma revolução, as pessoas querem ver os responsáveis pela tortura, matança, corrupção, colocados em julgamento. Querem ver um processo rápido de Justiça.

G1 - Críticos o enxergam como um líder ausente, mais conhecido internacionalmente do que dentro do Egito. Como o senhor pretende mudar essa visão na campanha?
ElBaradei - Eu obviamente terei que fazer um trabalho que requer muito esforço. Neste momento, eu tenho muito apoio entre a classe escolarizada. Nos próximos meses irei ao interior falar com pessoas comuns e explicar o porquê estou concorrendo, o que posso trazer para o país, e que após muitos anos de ditadura, como o país pode mudar e prosperar.

G1 - Se vitorioso, como o senhor lidaria com a política externa do país, especialmente em relação a Israel e ao Irã?
ElBaradei - A questão palestina não vai desaparecer. As pessoas se sentem ressentidas de que o problema não foi resolvido em 60 anos. Todo egípcio, árabe, acho que hoje todas as pessoas do mundo concordam que os palestinos têm o direito de ter um Estado independente. Barack Obama já disse que Israel deve voltar às fronteiras de 1957, que Jerusalém deve ser dividida. Até que isso aconteça não teremos estabilidade e paz no Oriente Médio. Na minha visão os israelenses não podem continuar a construir assentamentos ilegais em terras palestinas, usar a força e aí achar que vão estar seguros.

Um Egito democrático irá continuar a pressionar por uma resolução do conflito, pois sem isso não haverá estabilidade.

Com o Irã, eu acredito que devemos retomar imediatamente as relações diplomáticas, não temos relações pelos últimos 20 anos, o que não acho que é a postura certa. Sei que há diferenças de ideologia e de questões de segurança, mas não se pode resolver as questões se não nos engajarmos num diálogo. O que digo da relação do Egito com o Irã se aplica ao mundo ocidental, que é o que falo em meu livro. Se há falta de confiança, isso não desaparecerá se não se sentar para conversar. Por isso fiquei tão decepcionado quando a proposta do Brasil e Turquia para resolver a questão do Irã foi rejeitada. Acho que foi um erro.
Apoiador de ElBaradei segura caricatura durante a visita do Nobel da Paz à cidade de Mansura, em abril de 2010.

G1 - Falando no Brasil, que lições o senhor acha que os egípcios poderiam aprender com os brasileiros e vice-versa?
ElBaradei - Eu gostaria de aprender um pouco de samba, de música brasileira... Mas também acho que podemos aprender que pela democracia podemos avançar. Com a administração Lula, vimos quanta gente conseguiu sair da pobreza. Estive no Brasil há pouco tempo e vi como o Brasil avançou, toda vez que vou vejo sinais de desenvolvimento. Claro que ainda há questões sociais, econômicas, mas elas só podem ser resolvidas dando poder à população. E vi que Lula deixou o poder com cerca de 80% de aprovação, o que é ótimo. Acho que isso é algo que podemos aprender, que se você é aberto à população e eles vêem que você fez o melhor, eles respondem.

G1 - Sobre as revoluções no mundo árabe: o senhor apoia a intervenção da Otan na Líbia?
ElBaradei - Foi uma resolução autorizada pela ONU para usar a força para impedir a matança de civis. A Otan tem o poder de intervir. Claro que ainda há baixas e muitos civis morreram. Acho que os países vizinhos deveriam ter tentado achar uma solução política, pois a intervenção não terminou o conflito. Na minha opinião, nenhum desses assuntos será resolvido sem uma solução política.

G1 - Em seu livro, o senhor diz que estamos entrando em uma quarta era nuclear, em que precisamos fazer alguma coisa para não deixar conflitos nucleares emergirem. Como o senhor avalia o perigo nuclear atual? As coisas estão melhorando ou piorando?
ElBaradei - Eu acho que o status quo não é sustentável. Há nove Estados com armas nucleares, outros vinte e poucos que se apoiam no guarda-chuva dos EUA e estão dizendo a todos os outros países que eles não podem ter armas nucleares porque é perigoso. Minha preocupação é que isso não é sustentável. Hoje sabemos que todos podem ter a tecnologia, é possível ter de maneira "underground". Se os Estados nucleares não se comprometerem aos acordos de desarmamento, veremos definitivamente mais países tentando desenvolver armas.

Outra preocupação é que algum grupo extremista use armas nucleares, isso seria o pior cenário. Hoje, os Estados não as usam pois sabem que haveria retaliação e que seu país desapareceria da Terra. 

Temos que entender que qualquer regime, uma democracia, uma ditadura, quer sobreviver e, caso se sinta ameaçado, vai buscar armas nucleares. Outra parte do desafio é como manter a nossa segurança global sem armas nucleares. Precisamos trabalhar em um sistema que garanta a segurança de cada país, mas sem as armas.

G1 - O Irã está mesmo desenvolvendo armas nucleares ou esse perigo é superestimado?
ElBaradei - De novo: há preocupações sobre o que o Irã está desenvolvendo. O Irã diz que não está desenvolvendo armas nucleares, mas há um número de questões técnicas que precisam ser esclarecidas. Parte da suspeita é porque eles desenvolveram o programa nuclear de maneira escondida por muitos anos. Claro que eles argumentam que fizeram isso pois estavam sob sanções e a tecnologia era negada a eles desde a revolução.

Mas eu acredito que eles têm trabalhado no desenvolvimento da tecnologia, não necessariamente até o desenvolvimento de armas, pois eles acreditam que ter a tecnologia é quase como ter a arma, pois lhes dá o poder e o prestígio. O problema com o Irã são suas intenções futuras. Mas se há problemas com as intenções futuras, o único jeito de resolver isso é sentar na mesa e tentar construir a confiança. Isso é algo que não tem acontecido e por isso eu culpo tanto os Estados Unidos, a administração Bush, por não entender que as sanções não resolvem nada. E que é preciso achar uma solução pela negociação.

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